Preencha os campos abaixo para submeter seu pedido de música:
Quem é do Cariri costuma ouvir a frase dita por cratenses, principalmente pelos políticos: o Crato é a terra da cultura. Seria até uma forma inconfessável de se diferenciar de Juazeiro do Norte?
O município fundado pelo padre Cícero Romão Batista é a capital da fé. Já no território vizinho morariam as pessoas ilustradas, que gostam de arte. Será mesmo? Porque, se realmente o são, esse título está ruindo em todos os sentidos.
O prédio que já abrigou os museus histórico e de belas artes continua a desabar. Esta semana, em nota, a prefeitura informou que, por causa da chuva, caiu parte de uma parede no pavimento superior, levando ao isolamento do prédio.
Certamente as visitas não serão prejudicadas. Afinal, elas já não existem periodicamente há mais de 15 anos. O Museu do Crato espera por restauro nunca feito. Em 8 editais, ninguém apareceu para assumir a licitação.
Quem caminha pela Praça da Sé nota a precariedade do prédio de arquitetura do século XVIII, que foi Casa de Câmara e Cadeia, a exemplo de outras no nosso estado, como as de Aracati e Icó. Só que no Crato ela definha sob o olhar de todos.
É nítida a infiltração nas paredes. E é apenas o que se vê por fora, agora a distância, por causa do isolamento. Por dentro, a ruína se dá há mais tempo. Este colunista já visitou o museu quando o público não podia mais e teve que se equilibrar sobre o que restou do piso superior, de madeira apodrecida.
Logo que soube do prejuízo no prédio, entrei em contato com Bruno Pedrosa. O artista plástico cearense que mora na Itália foi o fundador do Museu de Arte Vicente Leite, em 1972.
O objetivo era homenagear o paisagista cratense autodidata pouco conhecido na terra natal. Por isso, escolheu o nome. E reuniu num mesmo espaço obras deste e de outros.
“A primeira imagem que se tem de Fortaleza iconográfica era um painel de José Reis de Carvalho doado por mim”, afirma Bruno.
Foram 72 obras. Ele próprio convenceu outros artistas a fazer doações, como a pintora Sinhá d’Amora e a escultora Celita Vacani.
“Eu me sinto um desgraçado que convenceu um artista a dar um trabalho dele para ser destruído depois”, afirma, revoltado.
Ele tem uma escritura pública de doação com condições que preveem a devolução das obras. Porém, ainda não decidiu fazer isso porque acredita que sua postura poderia ser mal interpretada.
Enquanto o museu jaz, o Crato deve ganhar uma nova estátua de Nossa Senhora de Fátima. A prefeitura confirmou em fevereiro que o monumento será reconstruído e ficará ainda maior.
Bruno Pedrosa critica essa contradição. Mesmo sendo católico, ele diz que o Crato busca uma característica que é autêntica em Juazeiro do Norte, enquanto perde a sua própria.
“É como se Nápoles criasse um Vaticano para receber parte dos visitantes que vão a Roma ver o Papa”, compara o artista.
Para ele, a decisão só pode ter uma razão eleitoreira. Uma imagem da Virgem, mesmo que esculpida em gosto duvidoso, renderia mais votos do que a restauração do museu.
Se o artista tem razão, e parece que sim, então a autointitulada cidade da cultura é morada de gente que parece não se interessar tanto assim por ela. E, depois de serem impedidos de apreciar as obras, serão todos testemunhas da ruína do seu último imóvel histórico.